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Você já ouviu o chamado? Parte IV

Pelas nossas queridas Valéria Chociai & Kelly Freitas



"Acredito que o Caminho seja isto:

um facilitador na trilha do autoconhecimento,

sendo a percepção uma bússola.”

Carolina Ioca

No último texto a Kelly havia chegado até Atapuerca, lembram?

Nesse novo trecho do livro 40 anos em 40 dias ela vai percorrer um longo caminho até Ledigos.


Havíamos nos programado para fazer um trajeto maior nesse post, até Bercianos del Real Camino, mas como acontece no próprio Caminho, as situações mudam a todo o tempo.

Preferimos acabar esse trecho um pouco antes, no que é exatamente a metade do percurso.

Vamos acompanhar a Kelly até lá?


Seguimos caminhando e decidimos chegar a Burgos pelo rio, pois pela estrada seria horrível.


Isso não queria dizer que pelo rio seria fácil.

Foi uma caminhada interminável e dolorosa.


Quanto mais andávamos, mais parecia longe a cidade.

Quanto mais perguntávamos, mais quilômetros falavam do que estava faltando.

Depois de muito andar, adentramos Burgos e andamos mais um pouco dentro da cidade.




Aqui eu já estava totalmente esgotada.

Já havíamos feito de tudo com o grupo de Olga, cantamos, dançamos e nada de chegar.

Foi quando adentramos uma pequenina rua que nos revelou o topo da majestosa Catedral de Burgos.


Ela nos avisava que estávamos no lugar exato.

Foi então, que ao subir as escadas que dariam no albergue, minha panturrilha esquerda gritou forte.

Mal pude terminar as escadas.

A dor era intensa, mas tinha que continuar.

No topo das escadas havia um bar e encontrei Marcelo, André e Sofie, eles brasileiros e ela francesa que fala bem o português.

Ao abraçá-los não consegui conter a emoção de ter cumprido uma etapa tão dolorosa e chorei.

Eles também se emocionaram e me convidaram para ficar ali, mas eu precisava entrar no albergue e pensar no que fazer.

Carimbei minha credencial, paguei 5€ pela noite e o albergue era gigante, limpo e organizado.

Nosso alojamento era no quinto andar.

Subimos e decidi que hoje eu, peregrina, teria um dia de coisas agradáveis.

Iria às compras.

Deixei todos no albergue e segui sozinha mancando.

A cidade, mesmo grande, dormia por conta da siesta.

Alcancei uma avenida movimentada e achei o ponto de taxi.

Combinei com o Sr. Jose, outro taxista com mesmo nome do taxista-amigo, e ele me levou a todos os lugares que eu quis.

Fomos à Decathlon.

Lá comprei uma toalha, um reloginho, uma pochete e uma calça preta confortável.

Gastei 43€.

O taxista me levou ao El Corte Inglès e lá me esbaldei.

Comprei um pijama da Minnie, shampoo de verdade, sabonete de verdade, limonada, bolacha e chocolate.

Aqui ficaram mais 35€.

Na volta Sr. Jose me mostrou a cidade e me deixou no albergue.

Paguei pelo taxi mais 25€, mas foi a maior alegria.

Já no albergue, tomei aquele banho e coloquei meu pijama.

Todos olhavam e riam muito de mim e eu feliz da vida desfilava meu modelito dentro e no bar da frente do albergue.

Tomei um lanchinho com Tineka, Rogério e Andreia.

Colocamos todas as roupas para lavar e secar.

Troquei de roupa e fomos à missa na Catedral de Burgos.

Após a missa voltamos, recolhemos as roupas, arrumamos as mochilas, deitamos bem cedo e curti meu pijaminha.

As 5h45 acordei, me arrumei e desci para esperar Andreia e Rogério que caminhariam conosco.

Encontramos Olga e sua turma e seguimos nosso caminho.


No primeiro trecho senti uma pedrinha no pé direito, mas não liguei.

Isso me causou uma bolha na planta do pé que me deixou parada por quase 1 hora em um bar onde nos separamos dos grupos e seguimos eu e meu amigão Gemba.

Ele com dores terríveis nas costas e eu com a bolha.

Sem sombra ou onde sentar, só nos restava chegar à Hornillos del Camino e descansar.





Entramos na cidade às 13h20 e encontramos Andreia e Rogério no albergue Meetpoint.

Por sorte ainda restavam as últimas 4 camas e paramos por ali.

Carimbamos as credenciais, seguimos para o quarto tomar aquele banho merecido e coloquei novamente meu pijama.

Enquanto os outros se arrumavam fui até a vendinha da frente, único comércio do local, e comprei ingredientes para fazer a janta, pois no albergue teria paella e não queríamos comer isso.

Guardamos tudo e cada um subiu em seu beliche.

Eu drenei minha bolha e cortei as unhas.

Gemba, Andreia e Rogério tiraram uma sonequinha.

Eu escrevia no meu bloco de notas.

O jantar foi macarronada com molho de atum, salada de alface e tomate, vinho e suco.

Compartilhei com Gemba, Andreia, Rogério, Pepe e Hector de Barcelona.

Os meninos lavaram toda a louça.

Sobrou um pouco de comida e um senhor irlandês quis provar um pouco.

Aqui compartilhamos tudo, alegrias, tristezas, comidas e caminhos.

Para o dia seguinte estava previsto chuva, então todos já estavam se preparando para sair com suas capas!

Deitei cedo e antes das 21h já estava dormindo.

Acordei às 2h30 e estava satisfeita de dormir, mas insisti mais um pouquinho e acordei às 5h.

Tati, minha amiga e sócia, precisava de ajuda para resolver um probleminha.

Então me levantei, arrumei minhas coisas e achei um computador para resolver as questões.

Já passavam das 6h30 quando terminei e tomei rapidamente o café da manhã para sairmos em direção à Castrojeriz.

Eu e Gemba saímos sozinhos.

O que parecia ser muito fácil se tornou uma tormenta.




Gemba com dores terríveis nas costas e eu com uma bolha na planta do pé direito e a planta do pé esquerdo super vermelha e quente.

Ou seja, até para andar 5km não seria fácil.

Colocamos nossa roupa de chuva e pé na estrada.

Foram 10,5km sem nenhum abrigo e muito, mas muito barro.


As botas pesavam muito.

A chuvinha não ajudava em nada e a capa de chuva só fazia com que eu suasse mais e mais.

Pensei em desistir.

Os pés reclamavam muito.

Mas era só uma dor nos pés.

Uma pequena bolha, algo muito pequeno diante do meu corpo todo.

Percebi como às vezes algo muito pequeno no meu dia a dia pode me atrapalhar tanto.

Vi que este trecho era exatamente o que eu estava passando.

Pequenos detalhes que me fazem querer desistir de lutar.

Desistir de querer mais.

E, por vezes, desistir de viver.

Respirei fundo.

Levantei a cabeça, estiquei as costas e coloquei meus cajados para funcionar.

Vamos que vamos que isso vai passar.


Foi quando apareceu uma placa indicando que estávamos no caminho certo e escrito com piloto a seguinte frase: Never give up!

Nunca desista!

O Caminho sempre tem algo a nos dizer...


Chegamos enfim a Hontanas e encontramos Pepe e Hector tomando café da manhã.

Decidi que essa parada seria longa o suficiente para que eu pudesse tomar um ótimo café, usar o banheiro e cuidar dos meus pés.

Dito e feito!

O café foi excelente, com croissants quentinhos, suco de laranja e um chocolate quase quente para aquecer um pouco antes de seguir.

Nesse local consegui comprar um pente!!!

Agora poderei pentear os cabelos antes de sair.

Gastei nessa parada 4,20€.

Seguimos as setas amarelas e chegamos a uma bifurcação.

Havia um caminho que poderia ser melhor pela estrada.

Mas optamos por seguir o caminho indicado.

Ótima escolha!

Com os pés como eu estava, caminhar no asfalto é péssimo por conta do impacto.

Segui devagar e sempre.

Gemba seguia com dores.

Os 9km restantes pareciam não ter fim.

Chegamos à cidade de Castojeriz às 12h30.


Foi dura a caminhada, mas chegamos cedo.

Logo na entrada da cidade ficava uma igreja de onde encontramos Andrea e Rogério saindo.


Entrei na Igreja, paguei 1€ e vou dizer que fiz uma oração e saí, pois não era uma igreja acolhedora.



Parecia que eu havia entrado em um museu, com painéis de exposição e trajeto definido.

Tirei algumas fotos e saí para seguirmos até o Albergue Ultreia.

A fila já estava formada, aguardando a abertura do albergue às 13h.

Tive aqui um repente de luxo.

Pedi um quarto com banheiro.

Queria muito ficar longe do burburinho e ter um pouquinho mais de privacidade.

Não queria muita coisa, então pedi o quarto e Gemba e Tineka ficaram comigo.

Estar em três em um quarto pode não parecer tanta privacidade, mas se comparado a 140 pessoas isso é um luxo só.

Gastei nesse albergue 35€ para dormir com esses privilégios.

Coloquei as roupas para lavar e secar e foram pagas pelo Gemba.

Tomei um banho e sai com Tineka em busca de sua mochila que fora enviada para o albergue municipal.

Andei pela cidade em busca de farmácia e mercado, mas a cidade dormia sua siesta.

Até hoje não me conformo com isso.

Passei em um bar, comprei sanduíche de atum, tortilla, suco e achocolatado para almoço e janta e saí tomando um sorvete.

Gastei 13,50€ e o lanche deu para mim e Gemba.

Comemos e já combinamos de ficar em Frómista no dia seguinte, 23km, assim já deixei reservado o albergue Canal de Castilla.

Desse ponto em diante é melhor garantir hospedagem reservando.

Há muitas pessoas nesse trecho.

Tineka e Gemba deitaram para descansar enquanto eu falei com meu amor e fui até a fonte disponível no albergue Ultreia para que os peregrinos coloquem seus pés.

Como estava com tendões inflamados, nada melhor do que gelo.

Quando começou a chover fui para o quarto, Tineka passou um creme em meus pés e não saí mais da cama.

Eu precisava descansar e antes das 21h eu já estava dormindo.

Acordei por volta das 5h, tratei dos meus pés e Gemba me deu a notícia que não estava bem e iria de taxi para Frómista.

Achava estar com gripe e Tineka medicou-o com homeopatia.

Ele seguiria com nossas mochilas e nos veríamos na próxima cidade.

Pensei em ficar com ele.

Era o que foi combinado, mas como sempre o caminho quer te mostrar algo, então resolvi seguir sozinha.

Algo me dizia que era o certo a fazer.

Meu coração ainda estava apertado de deixar meu amigo para trás.

Mas segui.

Andrea e Rogério me esperaram para caminharmos juntos.

As bolhas machucavam muito meus pés, mas percebi que apesar disso eu caminhava melhor.

Percebi que o que estava acontecendo com meus pés era exatamente o que acontecia em minha vida.

Sempre sofri por antecipação.

Queria sempre prevenir algo de ruim, tomava todas as medidas para que nada saísse do previsto e se algo poderia dar errado eu sofria.

Com os pés, a mesma coisa.

Por medo de ter dor coloquei várias coisas no pé e por fim tive dores e bolhas horríveis.

Hoje eu tratei apenas as bolhas e não coloquei mais nada no restante do pé.

Foi um dos melhores dias de caminhada.


Dia longo, quase 26km, mas chegamos ao albergue cedo e pagamos 10€.


Gemba estava deitado, mas já estava bem melhor.

Tineka chegou um pouco depois e medicou Gemba, Andreia e eu.

Seguimos para o jantar que estava muito bom e me custou apenas 8,50€.

Cada um arrumou sua mochila e fomos dormir antes das 21h00.

Tive uma noite ruim.

Tive dores onde nem imaginava que pudesse ter.

Acordei de madrugada e no escuro consegui achar um remédio para aliviar um pouco.

Perdi o sono.

O albergue era muito estranho.

Totalmente forrado de carpete de madeira de várias cores.

Chão, parede e teto!

Aquilo me dava uma sensação estranha.

Era como se forrassem uma garagem com restos de carpete e colocassem oito beliches.

Não parava de pensar nisso e acabei adormecendo e sonhando com o mesmo lugar.

Acordei de sobressalto e já passava das 6h30.

Corri para me ajeitar, mas me enrolei toda, pois chovia.

Saímos equipados às 7h20 e cruzamos a pequena cidade de Frómista em busca de um café da manhã.

Passei no banco e consegui sacar um dinheiro.

Tive medo de deixar para depois e não encontrar lugares que aceitassem cartão de débito ou crédito.

Nos povoados não é comum pagar em cartão, só dinheiro.

Era domingo, Dia das Mães no Brasil.

Senti um aperto grande no coração.

Primeiro Dia das Mães longe da minha codorninha linda.

Lembrei que nosso café da manhã sempre é muito especial, então escolhi tudo o que precisava para me sentir perto deles.


Tomei café com leite, torradas com manteiga, suco de laranja e um doce chamado oito ou infinito.

Uma massa folhada em formato de oito com creme.

Paguei deliciosos 7€.

Seguimos a caminhada dura com chuva moderada.

Pensava muito em minha mãe, na graça de Deus de tê-la conosco e segui rezando em silêncio até Villarmentero de Campos.

Tomamos um chocolate quentinho e cupcake, ofereci o mesmo aos meus amigos e me custou 9,31€.


A chuva apertou.

Não sabia se seguiria ou não.

O corpo pedia que ficasse, a cabeça e o coração queriam seguir.

Saímos na chuva e após 200 metros decidi voltar e tomar um taxi para cumprir esta última etapa de 9,6km até Carrion de Los Condes.


Pedir o taxi foi fácil.

Difícil foram os momentos que se seguiram.

Achei que seria mais fácil desta vez, uma vez que já havia passado por algo semelhante.

Mas ledo engano.

Sentei-me em um banco, sozinha e chorei muito.

Não conseguia conter as lágrimas e a decepção em meu coração.

O taxi chegou, corri para entrar e tentar esquecer, mas impossível.

O caminho do taxi era o mesmo dos peregrinos.

Ver meus companheiros sofrendo na chuva, sendo guerreiros e eu me acovardando dentro do conforto de um taxi mais uma vez me deixou mal.


Mas sofri calada desta vez.

Enviei mensagem para meu grupo dizendo apenas que tive que parar por conta da chuva e das bolhas, o que era verdade, mas foi ruim demais.


Chegamos à cidade e fomos direto à farmácia onde comprei o que faltava, como Bepantol para os pés, Compeed, analgésicos e pastilhas para garganta.


Deixei aqui 32€.

Por isso é importante ter uma boa farmacinha trazida de seu país.

Aqui tudo é caro.

Seguimos na chuva até o Albergue Espírito Santo, fomos recebidos pela madre que carimbou nossas credenciais e nos cobrou 5€.

Ganhamos uma medalhinha de Nossa Senhora das Graças para guiar nosso caminho.

O lugar era um antigo colégio de meninas, tudo limpo, silencioso e muito organizado.

Quando abri a porta do alojamento, a maior alegria!!

Eram camas individuais, nada de beliches.

Um luxo por 5€!!!

Nos instalamos e desci para lavar e secar nossas roupas por 7,00€.

Encontrei um casal de alemães da Bavária e convidei-os para a cena compartida.

Eles aceitaram e fomos juntos à vendinha.

Só havia guloseimas e coisas para fazer macarrão.

Comprei as coisas para o almoço, eu e Gemba por 9,75€ e o jantar por 2,50 para cada.

Café da manhã por 2€ cada.

Voltamos para o albergue e recolhi a roupa quando Andreia, Rogério e Tineka chegaram ensopados.

Tomei um banho muito bom, com direito a secador de cabelo de graça!!!

Liguei para o Brasil e falei com minha codorninha, minha irmã, meu pai, vi meus cachorros e chorei.

Saudades sem fim de Mel, Kira e Thor, seres de coração puro que alegram meu dia a dia.

Pena que eles não sabem falar.

Sinto falta do toque, das lambidas e dos pulos enlouquecidos.

Fora a conversa interminável das duas comigo, sim, porque eu falo com cachorros!!!

Liguei para meu maridão... meu amor que me dá forças para seguir.

Falamos bastante hoje e ele me mostrou a minha netinha gostosinha, Lorena linda!

Descansei um pouco na cama deliciosa e desci para fazer a janta.

Fizemos o jantar com a ajuda de todos e ficou uma delícia nosso talharim com molho de peito de peru defumado, únicos ingredientes disponíveis na vendinha.


A mesa estava animada com vinho, alemães, brasileiros e nossa neozelandesa Tineka.

Quando estávamos deixando a cozinha conheci a coreana Lin.

Uma figurinha carimbada que fala algumas gírias em português, pois tem amigos brasileiros.

Rimos muito com ela e seguimos assim para dormir.

As freiras não abriam o albergue antes das 7h, então aproveitamos para dormir um pouco mais e tomar café no albergue.


Já pela manhã, o primeiro sinal do Caminho.

Tineka, a senhorinha da Nova Zelândia, queria ir embora e deixar para mim a incumbência de despachar a mochila dela, pois ela queria sair logo.

Respirei fundo e consegui dizer não.

Disse que ela deveria ir até o convento, tocar a campainha e resolver antes de sair.

Enquanto isso acabamos nos perdendo do casal gaúcho.

Não sabíamos se deveríamos esperar ou não.

Ficamos parados uns 10 minutos e resolvemos ir.

Buscamos, na cidade que ainda dormia, algum local para comprar um lanche para o longo dia e achamos apenas guloseimas em um posto de gasolina.

Isso já era melhor do que nada, uma vez que os guias diziam não ter nada nos primeiros 17km.

Realmente não víamos nada além de plantações.

Nada de pessoas, animais, carros ou comércio.

Apenas estrada reta, campos verdes e peregrinos com suas mochilas e bastões.

Passado um pouco de tempo vimos que o casal gaúcho estava mais à frente.

Outra lição.

Não espere o outro.

Às vezes ficamos parados sem saber o que fazer.

Esperando a atitude do outro ou uma satisfação.

Siga a sua vida.

Faça o que tem que ser feito.

O seu caminho é solitário.

Não espere do outro o que ele não pode te dar.

Caminhava e lembrava do fato da manhã.

Por que eu atraio isso para minha vida?

Preciso sempre estar para servir as pessoas?

Na verdade, eu preciso viver a vida e aprender a dizer não.

Sem que isso magoe as pessoas, mas que também não fira o meu espaço, o meu ser.

Depois de aproximadamente 8km, uma visão!

Um carro parado com um cachorro amarrado, uma mesa com várias coisas, uma churrasqueira velha e um casal com as roupas sujas e mal-humorados.

Era comer algo ali para usar os espaços das cadeiras ou seguir esbaforidos os 9km restantes.

Pedimos algo, passamos um tempo ali e seguimos.

Estrada interminável, quando de repente apareceu um povoado onde pudemos ter uma refeição.

Enquanto comia vi pela janela um senhor, peregrino, pegar um taxi e por engano levar meus bastões.

Não sei de onde tirei força, mas levantei e sai correndo.

Impedi que fechassem o porta-malas e tirei meus bastões.

O senhor ainda relutou achando que eu estava ferindo seu espaço, mas não tive dúvidas, era o meu mesmo que já estava quase indo embora.

Cuide de suas coisas.

No caminho tudo é parecido e depois de quilômetros e quilômetros tudo fica igual para um peregrino cansado.

A cidade onde ficaríamos era a próxima, Ledigos.

Chegamos no albergue, carimbamos nossas credenciais, pagamos 6€ e pegamos nossas camas.

Estava super cansada, tomei banho e fiquei mal, pois não quis ceder minha cama para Tineka.

Eu queria ter este conforto, mas, como é difícil dizer não.

Como é ruim ver as coisas e fingir que não vejo.

Foi horrível, mas nem eu nem ninguém quis trocar.

Penso que não estávamos errados.

Todos sabem seus limites e limitações.

Acabei desabafando com Rodrigo e Brenda e ele me deu uma super luz.

Ele me perguntou se eu já tinha dito isso para a Tineka, ao invés de ficar me lamentando.

Resolvi que faria isso no dia seguinte.

Preciso aprender a pensar antes de falar e agir.

Decidimos fazer uma cena compartida e fomos à vendinha que havia no albergue e compramos ingredientes para um risoto.

Ficou 3€ para cada e 2,5€ do café da manhã seguinte.

Estava convencida a não me oferecer para fazer a comida e deixar a chance para alguém, mas acabei tomando a frente e todos colaboraram para que ficasse uma delícia.

Foi um jantar divertido e muito saboroso.

Deixei a cozinha e segui para meu cantinho, onde resolvi que amanhã enviarei minha mochila pelo carro.

Quero ter o prazer de desfrutar do Caminho, refletir.

E sei que o caminho será longo e meu corpo agradecerá se eu fizer este carinho a ele.

Hoje completamos a metade do caminho!

Números até ao momento

18 dias de caminhada

408,5km percorridos sendo

388,98 a pé e

19,82 km de taxi sendo

10,04 de Ventosa a Nájera

9,78 de Vilamentero de Campos a Carrion de Los Condes

4 bolhas

960,00 € gastos em dinheiro

Sendo 740,00 com albergues e despesas diárias e

220,00€ com transporte e telefone

1 óculos de sol perdido

2 dias de envio de mochilas

5 dias de chuva

7 cenas compartidas, das quais 6 eu fui a cozinheira

1 dia que disse não para alguém

1 dia que falei exatamente o que eu queria para alguém que estava invadindo meu espaço

3 dias que eu chorei de tristeza

0 dias que não pensei em meus pais

0 dias que não pensei em meu amor

0 dias que não pensei em meus cachorros

0 dias que não rezei e agradeci a Deus por tudo em minha vida

Perdi a conta das cidades onde passei,

dos Buen Camino que dei e recebi e dos amigos que fiz!

Metade já está!

Vale!


PERGUNTAS E RESPOSTAS!!!

Eu: Como assim você não quis comer paella???

Kelly: Não gosto e não posso... sou alérgica.

Eu: (choro de tristeza)

Eu: Como assim você não se conforma com a siesta? Eu acho o costume o mais invejável EVER! Adoro ir para os lugares onde o hábito existe e me aproveitar dele também!

Kelly: Deve ser ótimo dormir após o almoço, mas minha gente... tudo para!

E no Caminho é terrível isso.

Você chega para almoçar um pouco mais tarde e já era.

Não tem nada aberto.

Para o peregrino não é possível fazer a siesta, pois nesse horário tem que caminhar se quiser chegar a tempo de encontrar vaga no próximo destino.

Não invejo mesmooo.

Eu: (revendo meu chamado para fazer o Caminho...)

Eu: Mamãe é codorninha? Que amor! Por que?

Kelly: Sim, minha mãe é nossa codorninha.

Pequenininha, toda charmosinha...

Eu: ah, isso ela é mesmo!

Eu: Achei bem interessante sua reflexão sobre os pequenos detalhes... é só o dedinho que dói e o dedinho é uma parte pequena do todo... não pode te atrapalhar. Costumo ficar intrigada exatamente com o fato desses pequenos detalhes tomarem tanta conta da nossa vida e do nosso bem estar. Ainda não consegui me libertar nesse sentido, mas fico feliz que você tenha tido essa luz. Você conseguiu se manter alinhada a esse ponto de vista depois que voltou?

Kelly: A este, sim.

Toda vez que algo tenta me impedir de seguir adiante tento me afastar do problema para ter a real dimensão dele.

Minha amiga e sócia Tati me ajuda muito com suas técnicas, que aprende em diversos lugares.

Eu: Não consigo imaginar você dizendo NÃO. A Kelly que eu conheço veio ao mundo para servir, sim. Olha só a sua mudança de carreira atual!!! Estou errada ou essa ainda é uma dificuldade para você?

Kelly: Pois é... o NÃO é muito difícil prá mim.

Não consigo dizer e não SUPORTO ouvir.

Ainda tenho que trabalhar muito isso.

Eu: E cadê as fotos com o pijama da Minnie???

Kelly: Vou ver se acho...

Eu: Vê se não esquece... não quero perder registro de tamanha fofura em pleno Caminho de Santiago!

Finalmente, gostaria de compartilhar com vocês esse texto aqui, super interessante, escrito pela minha querida amiga Carolina Ioca: O Caminho de Santiago não é sobre caminhar...

Um grande abraço a todos vocês e até o próximo percurso!

Buen camino e NaMUUstê!


Existem diversos motivadores

e objetivos para se percorrer o Caminho.

Todos eles fazem sentido e estão certos,

pois o Caminho é acolhedor.

Carolina Ioca


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